“Olá! Estou pegando a sua frase '...sempre elogiei o seu modo de escrever, mas é algo mais, é a maneira como você compreende a vida e a si mesma..." Embora você pense isso, sempre me julguei tão aquém desse tipo de compreensão. Será que compreendo de fato a vida e a mim mesma? Minha percepção parece tão limitada pela minha pequena vivência, por eu ter estado sempre no meu mundinho pacato, cheia de reservas e defesas, reclusa do meu próprio jeito crítico de buscar o controle de todas as situações e de desejar neuroticamente ser perfeita. Quantas vezes sofri me vendo uma pobre coitada que não entendia nada da vida, que era solitária, sem comando de nada, sem ter a vida nas mãos, sem saber do destino, sem conseguir definir o que queria fazer da vida, sem ter ideia de como viver no mundo real, nesse mundo de matéria donde todos buscam as aquisições do status e os prazeres fugazes que sempre considerei ilusões banais. Que compreensão tem alguém que sempre foi recriminada por não ter vaidade, por ser muito econômica, por ser cheia de regras, pudores, manias, por ser cansada de tudo e, principalmente, por ser isolada de todos? Que compreensão tem alguém que nasceu e não cresceu, que milhares de vezes teve que fugir de inúmeros psicólogos, psicoterapeutas e até de tratamento psiquiátrico? Que compreensão tem os anormais, os mongoloides, os infantis?
A maior e melhor compreensão que tive da vida ao longo de todos os anos foi entender que nada, nem ninguém, pode me qualificar, definir ou diminuir, pois somos seres indescritíveis espiritualmente falando. Compreendi que nada ter e nada ser é natural para todos os humanos, ou seja, eu não era a única perdida, vazia e solitária na imensidão do todo. Compreendi que sou perfeita sendo exatamente imperfeita, pois é na autoaceitação de assim ser que está a entrega, a liberdade, a espontaneidade, a simplicidade e a autenticidade de minha essência. Compreendi que eu não tinha que buscar ser alguém normal, nem desejar ser extrovertida, pois não fui criada para viver personalidades do tipo Carla 'ideal' moldadas pela família. Eu paguei o preço de renunciar a própria vida para conseguir sobreviver e nem preciso dizer que, constantemente, minha vontade de inexistir foi profunda. Sempre senti-me de mãos e pés atados numa busca desenfreada de compreender o que eu tinha de errado já que minha anormalidade não era estampada como a de um esquizofrênico. Eu sempre fui declarada linda, inteligente, mas inútil, incapaz, condenada ao pior e abandonada por todos que tanto cansaram de 'pelejar' comigo. Quantas vezes eu chorei a amargura de não me sentir respeitada e aceita dentro do lar. Foi a maior cruz e dor que carreguei. Como eu poderia me aceitar se nunca fora aceita por ninguém? Como eu poderia me amar se sempre me sentira rejeitada, principalmente pelos mais próximos? Isso pode parecer injustiça, pois sempre fui amada pela minha família, mas sabe aquele amor que bate e depois assopra? Sabe o amor do tipo te aceito porque não tenho alternativa, mas vou lutar a vida inteira para te transformar na pessoa que idealizo como filha, irmã, sobrinha, etc? Eu sempre compreendi esse amor egoísta dos outros, mas como impor respeito se nunca ninguém me considerou digna de ser respeitada e sempre me magoou querendo apenas o meu bem?
Ah, como sofri! Eu tinha tudo e nada era. Eu me perguntava como merecera nascer com um corpo perfeito, com inteligência e beleza, com saúde e família, com casa e comida, com oportunidade de fazer um curso superior que eu sempre soubera ser apenas para possuir diploma, enfim, eu me perguntava: quem sou eu para ter a graça de tanto se nem caridade consigo fazer pela timidez que me amara num casulo? Compreendi que o erro não estava em mim, nos meus defeitos, na minha timidez ou na minha vida, mas no meu modo de visualizar as coisas, pois eu fora condicionada a enxergar a realidade de forma destorcida. Compreendi que não existe ninguém maior ou melhor que ninguém, pois em verdade somos todos iguais, criados da mesma forma, simples e ignorantes. Compreendi que meu jeito de ser está muito além do que qualquer outro humano possa apreciar e que eu definitivamente não preciso do apreço de ninguém além de meu. Sobretudo compreendi a me valorizar e ser o que sou, mesmo que seja para ser odiada, debochada e escarnada. Hoje tenho a compreensão de que a vida me guia e não preciso me preocupar com ela. Hoje tenho a compreensão de que fazer da minha parte é unicamente confiar na providência divina e deixá-la atuar milagrosamente a cada minuto do meu viver. Hoje tenho a compreensão de que sou plena e realizada, pois me aceito e me amo exatamente como sou. Hoje compreendo que mereço as graças do prazer, da paz e do júbilo interior não pelo que faço, não pelas minhas qualidades ou capacidades, mas por ser usufrutuária da realeza divina. Hoje compreendo que não preciso ser perfeita para de fato ser perfeita, pois eu nada tenho que ser, eu apenas tenho que existir com responsabilidade, liberdade e consciência.
Houve um Amor Maior que me fez superar o abandono, o desrespeito, o escarnio, a injustiça e a ignorância do amor egoísta da minha família. Em todos os meus momentos de pranto eu me perguntava como esse amor podia ser tão grande a ponto de compreender a miséria de meu ser, algo que eu mesma não compreendia. Hoje compreendo que todos nascemos miseráveis, mas podemos ser ricos apenas aceitando a nossa miséria. Compreendi que posso ser do meu jeito, amar do meu jeito e ser feliz do meu jeito. O meu jeito não é certo e nem errado, é apenas único e mutável a cada etapa de evolução. Hoje compreendo que é inerente da condição humana ser tão miserável quanto o pó, tão impermanente como o tempo e tão útil como o ar que nada precisa fazer para provar sua utilidade. Compreendi muita coisa durante a vida, mas só compreendi porque sofri, porque não vivi a normalidade, a perfeição, a cumplicidade das afinidades e a intimidade das amizades. Todo o compreendido foi por ter vivido o que durante anos lutei reneguei e fugi para evitar viver. Nessa vida ilude-se quem pensa que vive o que deseja. Em verdade todos nós vivemos o que necessitamos viver. Escolhemos nossas escolhas, mas não possuímos o comando da vida que trilhamos, pois o plantio é livre, porém a colheita é obrigatória. Independente do que eu seja ou faça, independente do que me aconteça, hoje compreendo que o importante é estar com a consciência tranquila e ser grata por tudo. O que agora sou ou faço e aquilo que me acontece não tem tanto valor quanto a certeza de que vivo e cumpro a vontade divina. Isso é internalizar, reverenciar e compreender a frase dita por Pedro: 'Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim' (Gl2:20). Bem, chega de reflexões por hoje. Um grande abraço e até a próxima...”
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