Acho que nasci agoniada e isso é horrível, mas só nessa altura da vida que estou tomando conta da gravidade desse mal-estar em mim. Sinto como se o tempo fosse parar, acabar, não apenas o meu tempo, mas o tempo de modo geral. É uma sensação estranha como se tudo fosse acabar, como se o universo em si fosse ser interrompido repentinamente, de modo drástico. Será que isso é consequência de ter sofrido essa possibilidade abrupta (representada por um aborto espontâneo ou provocado) ainda no ventre materno? Minha mãe já contou-me que antes de ter minha irmã ela perdeu um bebê por alguma complicação biológica. Depois, quando estava grávida de mim sofreu a queda da escada e até meu nascimento seu desgaste tanto físico, por causa da fratura na coluna, quanto emocional, por causa das consequências que tudo poderia causar ao feto, foi enorme. Tudo isso me faz ter muita vontade chorar, me sinto sem espaço, talvez exatamente como fiquei quando minha mãe foi por várias vezes engessadas sem saber ainda que estava grávida. Como tudo isso é complicado para minha cabeça. Durante a vida toda milhares de vezes eu senti ser problemática, depois outras tantas vezes tentava me convencer de ser absolutamente normal. Não me sinto e nem me julgo normal no sentido de ser sociável, de ser serena por dentro (pois por fora aparento naturalmente ser uma pessoa serena e tranquila). Sempre tive necessidade de me convencer de uma normalidade inconvencível, existível em mim para sentir-me bem. Seria como um deficiente físico que diz a si mesmo que não ter um membro é normal para não se sentir o pior ou o mais prejudicado dos seres vivos. E falando em deficiente físico, acho que ter um transtorno de personalidade é bem pior, pois as pessoas não veem de cara e daí, até saberem, se é que chegam a saber, a pessoa com problema sofre inúmeras críticas, julgamentos e preconceitos de todos os tipos.
Acho que no fundo somente agora estou conseguindo começar a aceitar o fato de ter um transtorno de personalidade. Já estou próxima dos vinte e sete anos, mas minha vida se resume aos feitos de uma simples criança. Tudo bem que gosto da minha vida assim e gosto de mim exatamente do jeito como sou, mas isso não desfaz a verdade de que meu comportamento sofre um desvio, ou melhor dizendo, meu jeito de ser é deturpado da conduta normal de todos os jeitos de serem. Mas e daí com tudo isso? Eu só quero saber uma coisa: o médico está me enrolando ao dizer que tenho uma simples ansiedade. Como essa suposta ansiedade explica o fato de me sentir literalmente sendo molestada quando tento olhar nos olhos de qualquer outra pessoa? Acho que ele colocou o meu problema como simples apenas para criar uma empatia comigo e poder assim seguirmos com o tratamento medicamentoso. Confesso que esse tratamento tem me enchido de cólera, tanto por detestar tomar remédios quanto por detestar gastar dinheiro, seja com o próprio remédio quanto com o médico. Mas estou disposta a levar esse tratamento até o fim, pois se ele não conseguir me “curar”, vai ter que me aposentar (essa é a esperança da mamãe).
Eu tendo a ser negativista, mas não vou cometer a barbaridade de dizer que os remédios não possuem efeitos benéficos. Acho que estou diante de uma parede completamente branca. Tudo pode surgir nessa parede a qualquer instante: uma cura, um efeito colateral indesejável, um nada, ou até mesmo um agravo do próprio transtorno. E eu vou quebrar a cara para descobrir o desfecho disso tudo, só espero que não dure muito tempo. Não “engoli” a palavra rápida quando o médico explicou o tratamento temporário com remédios. Espero que o rápido dele não seja mais de seis meses, pois não sei se suporto tanto... Sinto-me sem lugar, como se estivesse fora do ambiente natural do costume, ou melhor, como se eu fosse inadaptável a qualquer ambiente. Acho que isso é um mal noventa por cento espiritual. Daí fico a me perguntar, como pode o médico achar que remédio vai mudar isso? Minha agonia (algo que ele chamou de ansiedade) já é constante e fica incabível em mim quando estou em locais com mais pessoas. Quanto maior a multidão, pior! Pois bem, amanhá eu desvendo mais alguma coisa do doutor!